João demora 1 hora no banho, pois tem que se certificar que lavou “todo o corpo”, literalmente.
Maria antes de iniciar a jornada de trabalho alinha milimetricamente todos os objetos de sua mesa.
Ana liga e desliga as luzes de casa 6 vezes antes de sair, para ter certeza que ficaram “bem desligadas”.
José enquanto dirige, soma os números de todas as placas de carros que o ultrapassam.
Marcos trabalha de segurança 12 horas por dia, e evita usar o banheiro do trabalho com medo de ser “contaminado”.
Muitas dessas pessoas, embora tenham suas vidas gravemente comprometidas, nunca foram diagnosticadas, tampouco tratadas. Talvez a maioria delas desconheça o fato de esses sintomas constituírem uma doença. Os portadores que buscam tratamento, geralmente, o fazem depois de muitos anos após o início dos sintomas, tendo perdido muito tempo de suas vidas fazendo rituais, além de suportado o desconforto e o sofrimento, quase permanentes, que os atormentam.
Muitos portadores de TOC têm vergonha dos seus rituais, visto que eles mesmos reconhecem como sem sentido, e, muitas vezes, escondem-se para realizar esses atos. Outros têm a mente invadida por pensamentos absurdos ou impróprios que os deixam com muito medo. Imaginam que podem ser pessoas más, portadoras de algum desvio moral ou de caráter, ou que podem vir a pôr em prática tais impulsos ou pensamentos, o que faz com que se sintam muito culpados. Acreditam, ainda, que ninguém irá compreendê-los, razão pela qual não falam com outras pessoas sobre seu sofrimento e assim sendo, não buscam ajuda.
O que é o Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC)?
O TOC é um tipo de transtorno no qual obsessões e compulsões consomem tempo, interferindo significativamente na rotina da pessoa e tornando difícil trabalhar e/ou ter uma vida social normal e/ou relacionamentos. O TOC é considerado uma doença mental grave e incapacitante, que acomete preferencialmente indivíduos jovens ao final da adolescência, embora, muitas vezes, comece ainda na infância, sendo raro ter início após os 40 anos.
O que são obsessões?
São pensamentos ou impulsos que invadem a mente de forma repetitiva e persistente. Podem, ainda, caracterizarem-se por cenas, palavras, frases, números, músicas, etc. Sentidas como estranhas ou impróprias, as obsessões geralmente são desagradáveis e acompanhadas de medo, angústia, culpa, desconforto, nojo ou desprazer. Mesmo não desejando e considerando tais pensamentos ilógicos, absurdos e impróprios, o indivíduo não consegue afastá-los ou suprimi-los da sua mente.
Obsessões mais comuns:
Preocupação excessiva com sujeira, germes ou contaminação.
Dúvidas e necessidade de ter certeza.
Preocupação com simetria, exatidão, ordem, sequência ou alinhamento.
Pensamentos, cenas ou impulsos de machucar, ofender ou agredir outras pessoas.
Pensamentos ou cenas violentas.
Pensamentos, cenas ou impulsos indesejáveis e impróprios relacionados a sexo (comportamento sexual violento, homossexualidade e/ou palavras obscenas).
Preocupação em armazenar, poupar e guardar coisas inúteis ou economizar.
Preocupações excessivas com doenças ou com o corpo.
Religião (pecado, culpa, escrupulosidade, cometer sacrilégios ou dizer blasfêmias).
Pensamentos supersticiosos: preocupação com números especiais ou cores de roupa, datas e horários (podem provocar desgraças).
Palavras, nomes, cenas ou músicas indesejáveis que o indivíduo não consegue afastar da mente.
Os medos mais comuns:
De contaminação ou de contrair doenças.
De cometer falhas imperdoáveis.
De não conseguir impedir desgraças futuras.
De ferir os outros ou a si mesmo.
De cometer atos impróprios ou moralmente condenáveis.
De sentir nojo ao entrar em contato com certas substâncias.
O que são compulsões ou rituais?
São comportamentos ou atos mentais, voluntários e repetitivos, executados em resposta a obsessões ou em virtude de regras que devem ser seguidas rigidamente. As compulsões aliviam momentaneamente a ansiedade que acompanha as obsessões, levando o indivíduo a executá-las, em vez de enfrentá-las, toda vez que sua mente é invadida por uma obsessão.
Compulsões mais comuns:
Lavagem ou limpeza.
Verificações ou checagem.
Repetições.
Contagens.
Ordem, simetria, sequência ou alinhamento.
Diversas: tocar, olhar, bater de leve, confessar, raspar.
Compulsões mentais
Algumas compulsões não são percebidas pelas demais pessoas, pois são realizadas mentalmente e não mediante comportamentos motores observáveis.
Os exemplos são:
Repetir palavras ou frases
Rezar
Relembrar cenas ou imagens
Contar ou repetir números
Fazer listas
Marcar datas
O que são evitações?
Pacientes com TOC adotam com muita frequência, comportamentos evitativos como forma de não desencadear suas obsessões. Tais evitações são, em geral, impostas aos demais membros da família, provocando conflitos.
As evitações mais comuns são:
Não tocar em maçanetas de porta, corrimãos de escadas ou de ônibus; não tocar em portas, tampas de vasos, descargas ou torneiras de banheiros (ou usar lenço para tocá-las).
Isolar móveis, locais ou espaços dentro de casa e impedir o acesso dos familiares quando estes chegam da rua.
Tirar os sapatos, trocar de roupas, lavar as mãos ou tomar banho quando se chega da rua, e ainda, obrigar os familiares a fazerem o mesmo.
Restringir o contato com sofás ou camas (cobri-los com lençóis, não sentar com roupa da rua).
Não tocar em interruptores elétricos ou evitar pressionar o botão do elevador.
Não sentar em bancos de praças ou de meios de transporte coletivos.
Não encostar roupas usadas e “contaminadas” nas roupas “limpas” dentro do guarda-roupa.
Não usar talheres, sabonetes ou toalhas usadas por outras pessoas.
Não cumprimentar determinadas pessoas (mendigos, por exemplo).
Não utilizar banheiros que não sejam os da própria casa.
O que causa o TOC?
Embora ainda não se saiba exatamente quais são as causas ou o que provoca o aparecimento dos sintomas, tem-se avançado bastante no esclarecimento dessas questões. Fatores neurobiológicos, psicológicos e genéticos têm sido apontados como influenciadores do aparecimento e manutenção dos sintomas.
É necessário tratar o TOC?
Os sintomas do TOC interferem de forma acentuada, tanto na vida do paciente quanto, na maioria das vezes, na vida da família. São comuns os conflitos, pois, a pessoa portadora de TOC pode demorar demais no banho ou para se arrumar, ficar furiosa porque alguém usou sua toalha, exigir que todos lavem as mãos e troquem de roupa quando chegarem da rua, não se servir sem verificar se o prato e os talheres estão bem lavados ou sem lavá-los novamente. De modo geral, são comuns as discussões, os atritos e as exigências no sentido de não interromper os rituais ou de os continuar praticando. Dificuldades para fazer tarefas mais simples, tais como tomar banho, escovar os dentes e vestir a roupa, bem como atrasos para sair de casa, acabam comprometendo o lazer e as rotinas de toda família, criando um clima de desarmonia e, frequentemente, de clara hostilidade, gerando dificuldades de relacionamento que, não raro, provocam a separação de casais ou a perda de emprego.
Seu curso é geralmente crônico e, se não tratado, tende a manter-se por toda a vida, raras vezes desaparece por completo de forma espontânea. Em aproximadamente 10% dos casos, seus sintomas são graves e tendem a agravar-se de forma progressiva, podendo incapacitar os portadores para o trabalho e acarretar limitações significativas à convivência com os demais, além de submeter seus portadores a um grande e permanente sofrimento.
Como é o tratamento do TOC?
Um dos tratamentos mais eficazes é um tipo de terapia comportamental, conhecida como exposição e prevenção de respostas.
Exposição
Consiste no contato direto ou imaginário, com objetos, lugares ou situações que não são perigosos, mas dos quais a pessoa tem medo ou evita porque geram desconforto, nojo ou repugnância. É a técnica mais efetiva para o tratamento de pacientes que têm obsessões com sujeiras, germes, ou contaminação e, em razão disso, realizam lavagens excessivas (das mãos, do corpo, das roupas). O efeito principal da exposição é o aumento instantâneo da ansiedade, que pode chegar a níveis bastante elevados nos primeiros exercícios, mas, que em seguida, começa a diminuir paulatinamente, até desaparecer. A cada exercício os níveis de ansiedade são menores, e a necessidade de realizar rituais também diminui.
Exemplos de exposição em casos de obsessões por sujeira ou contaminação:
Sentar em assentos de coletivos ou sofás de salas de espera.
Sentar na cama ou no sofá da sala logo após chegar da rua.
Tocar em maçanetas de portas, corrimão de escadas, torneira ou botão de descarga em banheiros públicos.
Cumprimentar pessoas desconhecidas.
Prevenção de respostas
Consiste em deixar de fazer um ritual, uma compulsão mental ou qualquer manobra destinada a reduzir ou neutralizar a ansiedade, o desconforto ou o medo que acompanham as obsessões, bem como eliminar ou reduzir a possibilidade imaginária de que eventos ruins ou desastres aconteçam.
Exemplos de prevenção de rituais:
Abster-se de lavar as mãos, o corpo ou a roupa após tocar em objetos “sujos” ou “contaminados”.
Verificar as portas e janelas apenas uma vez antes de deitar ou sair de casa.
Não fazer contagens enquanto realiza alguma tarefa.
Não alinhar objetos como roupas, toalhas, colchas, cadarços de sapato, etc.
Medicação
Os medicamentos são efetivos para 40% – 60% dos pacientes, e são a primeira escolha, quando além do TOC, existem outros problemas associados, como depressão e ansiedade intensas, o que é muito comum. Também é usual iniciar com medicamentos quando os sintomas são muito graves ou incapacitantes, e o paciente não tem condições de realizar os exercícios sugeridos na terapia.
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